Um governo capturado<br>pelos interesses dos poderosos
A forma como o Governo PSD/CDS não só não cumpriu o seu dever de ser garante último da estabilidade financeira como contribuiu para empenhar recursos públicos na salvação de uma instituição, socializando prejuízos e funcionando como agente de limpeza de activos financeiros não pode, de forma alguma, ser minimizada no âmbito das conclusões da Comissão. Em primeiro lugar porque tal branqueamento das responsabilidades políticas não corresponde nem responde à realidade, e, em segundo lugar, porque ao não reflectir sobre o enquadramento político e ideológico, que se traduz no legislativo, ignora assim uma necessidade absolutamente fundamental: a de tomar medidas para que nunca mais possa suceder o que sucedeu no BPN, no BPP, no Banif, no BCP e no BES. Ora, para tal, as conclusões da Comissão não podiam deixar de fora as questões e responsabilidades políticas, tal como, em parte, já sucedeu em passadas comissões de inquérito parlamentar.
O Governo PSD e CDS não se limitou, como o relatório de certa forma tenta insinuar, a não intervir no sentido de salvar um grupo privado. Aliás, as responsabilidades de PSD e CDS na ajuda e alimentação deste Grupo vão muito para além das que foram concedidas por este Governo, perpassando vários mandatos governamentais. Entre essas ajudas avulta a concessão, contratação, parceria e atribuição de negócios por parte do Estado, que criaram uma autêntica hidra económica e financeira, cuja dimensão, por si só, era já uma ameaça à estabilidade do sistema financeiro.
Mas mais do que isso, como se pode verificar em algumas das 95 propostas de alteração ao Relatório apresentadas pelo PCP, a actuação do Governo foi fonte de problemas concretos. Entre esses, encontra-se o resultado do processo de reembolso de investimentos em papel comercial do GES, gerado em parte pela incapacidade do Governo para salvaguardar esses interesses aquando da aplicação da medida de resolução.
Comprometimento
As responsabilidades do Governo vão, porém, muito mais longe: não agiu em defesa do interesse nacional, mas apenas em sintonia com a sua matriz de Governo ao serviço dos grandes grupos económicos, não de um ou outro grupo específico, mas do sistema no seu conjunto.
Por isso mesmo, apesar de ser claro desde há muito que a medida que se impunha era o congelamento e imobilização de activos, empresas e até património, do GES e dos seus principais accionistas, bem como a nacionalização de empresas como a Tranquilidade e a ES Saúde, o Governo limitou-se a «deixar o mercado funcionar», remetendo-se para o papel de «entidade reguladora», papel esse que a Constituição da República Portuguesa não lhe atribui.
O Governo não ponderou intervir nos privilégios dos banqueiros e dos grandes accionistas do BES, não tanto por um compromisso com os próprios – que a Comissão não pôde comprovar nem negar – mas por um compromisso de fundo com o sistema capitalista e o domínio do capital monopolista que coloca a economia ao serviço da acumulação, fazendo da banca um dos mais importantes e cruciais instrumentos, não tendo sequer equacionado uma solução que pudesse – de facto – não comprometer recursos retirados aos portugueses.
O comprometimento e incapacidade de actuação do Banco de Portugal e da CMVM estão intimamente ligados a uma política que consiste em apresentar como confiável aquilo que jamais pode merecer confiança. A simples concepção de que o Banco de Portugal e a CMVM, aliás o conjunto dos supervisores, regulam ou supervisionam seja o que for cai por terra observando a sucessão de casos de colapso de bancos privados em Portugal. O Banco de Portugal, particularmente neste caso como em outros, não garantiu a fiabilidade no sistema bancário, apenas a forjou publicamente para evitar uma corrida aos depósitos, assim mostrando à última consequência que é impossível assegurar a estabilidade do sistema financeiro através de um supervisor enquanto essa estabilidade for uma prerrogativa do supervisionado. Ora, nesta construção, neste sistema legislativo, têm também responsabilidade o Governo que legisla, o Governo que submete o País às imposições da União Europeia, o Governo que coloca o funcionamento do mercado de capitais e a liberdade de acumulação por um grupo reduzido de grandes capitalistas acima da liberdade de um povo inteiro.